Sustos curam soluços?

domingo, 6 de março de 2011

Ciência em Portugal #3: Entrevista a Carlos Alberto Gomes Ribeiro

Continuamos a nossa rubrica com o nosso terceiro entrevistado, Carlos Alberto Gomes Ribeirolicenciado em Biologia, sendo, actualmente, Professor Auxiliar no Departamento de Biologia da Universidade dos Açores.
Queríamos, desde já, e mais uma vez, agradecer a sua disponibilidade e colaboração no nosso projecto.


1. Em que universidade estudou? Acha que isso influenciou a obtenção do seu primeiro emprego?

Estudei na Faculdade de Ciências de Lisboa, Universidade Clássica de Lisboa. Licenciei-me em Biologia, Ramo Científico na especialidade de Biologia Celular. A obtenção do meu primeiro emprego esteve dependente da classificação final do curso de 16 valores. Além desta classificação contou, essencialmente, o curriculum académico e científico que fui construindo ao longo do curso, designadamente, durante o meu estágio científico de um ano lectivo e das publicações/artigos científicos e relatórios de que fui o principal autor.
O meu primeiro emprego na área universitária data de Outubro de 1984 quando fui contratado como Monitor das Aulas Práticas de Biologia Celular na FCL. Em Setembro de 1990 fui contratado como Assistente Estagiário no Departamento de Biologia da Universidade dos Açores.


2. Fez alguma formação ou participou em algum programa de estudo no estrangeiro? Se sim, o que achou?

O Mestrado e o Doutoramento foram feitos em co-tutela Luso-Francesa entre as seguintes instituições: Universidade dos Açores - UA (Ponta Delgada), Instituto de Tecnologia Química e Biológica - ITQB (Oeiras) e Université de Montpellier II – (UM2) - Sciences et Techniques du Languedoc (Montpellier, França).
Foi importante porque me facultou uma compreensão abrangente do que era o mundo da ciência. Contudo, hoje em dia Portugal é um destino de acolhimento científico para estudantes estrangeiros dado o nível científico que alcançámos. Este facto não significa, porém, que não seja um fervoroso adepto da saída dos nossos estudantes universitários e investigadores para o estrangeiro para obterem uma visão global e integrada da universalidade científica.


3. Acha que o nosso país apoia suficientemente os jovens cientistas e/ou se tem potencial para competir com países mais desenvolvidos?

O nosso país não apoia suficientemente a educação, em geral, e a educação universitária, em particular. Neste contexto, muito menos apoia os jovens cientistas. No entanto, os portugueses têm tanto ou mais talento para a ciência como qualquer outro povo do mundo.
Costumo dirigir o trabalho de estudantes de Mestrado ou de Doutoramento tanto em Portugal como em França e os nossos estudantes estão entre os melhores. Para confirmar o que vos digo a totalidade dos meus antigos estudantes está a trabalhar na investigação em vários laboratórios espalhados pela Europa e América do Norte.
São investigadores seniores, professores universitários ou investigadores principais em laboratórios universitários e biotecnológicos ligados, por exemplo, à indústria biomédica.


4. Na sua opinião, o que é preciso para ser um profissional de sucesso na sua área?

Primeiro: É preciso gostar do que se quer fazer. Segundo: É preciso ser responsável e motivado. Ser honesto e verdadeiro. Terceiro: É preciso estudar e trabalhar muito.
A minha vida tem sido toda a trabalhar e a estudar!
Não pensem, porém, que só faço isto!.... Eheheheh… Divirto-me bastante! Gosto de conviver com os meus amigos, de sair, de viajar… Quase todos os fins-de-semana tenho um programa para me divertir… Gosto imenso de dançar e não se passa sábado nenhum que não vá “abanar o capacete”… Gosto de velejar, de montar a cavalo, de passear a pé (dou longas caminhadas) e de mergulhar… Os Açores têm fundos maravilhosos!....
No entanto, assumo o meu trabalho com grande sentido de responsabilidade e enquanto estou a leccionar ou a dirigir a investigação faço-o com todo o empenho e profissionalismo. Não sou vaidoso mas tenho orgulho no que faço… Desempenho as minhas funções com zelo, dedicação e sentido de servir.


5. É habitual divulgar a sua experiência em escolas ou universidades?

É meu hábito e prática corrente, divulgar a investigação e o meu conhecimento científico nas Escolas Secundárias da Região em Seminários e/ou Conferências e Cursos. Na universidade a veiculação do meu conhecimento científico é feita nas aulas teórico e práticas. Dedico-me, ainda, a leccionar cursos de divulgação científica, onde tenho como destinatários alunos seniores e professores de todos os graus de ensino. Neste âmbito faço a divulgação científica no quadro dos Temas de Biologia e Biomedicina, lecciono cursos de 25 horas sobre temas de Fisiopatologia (Doenças metabólicas, funcionais e genéticas) e Microbiologia Médica e Doenças Infecciosas.


6. Encontra-se actualmente a desenvolver algum novo projecto?

Tenho em mãos três importantes projectos científicos relacionados com o mundo da microbiologia e da biodiversidade. O primeiro diz respeito à vertente da designada Luta Biológica contra Insectos Pragas Agrícolas. O segundo tem por objecto o Estudo Metagenómico das Arqueobactérias Termoacidófilas e Hipertermoacidófilas das Fontes Hidrotermais da Ilha de S. Miguel: Potencial Genómico para a Produção de Biocatalizadores com Interesse Tecnológico. Finalmente, o terceiro diz respeito ao Estudo do Modo de Acção dos Factores de Virulência Produzidos por Bactérias Patogénicas Humanas.   


7. Pela sua experiência pessoal, relativamente a si e aos seus colegas de curso e colegas de profissão, acha que em Portugal é acessível e breve conseguir um emprego na área?

Actualmente, em Portugal, não é breve o acesso a um trabalho nesta área. Depende, contudo, da área científica em questão. Falando da Biologia, das Ciências da Saúde e da Biomedicina é possível aceder a uma profissão de investigador desde que se cumpra um “percurso do combatente” que inclui uma Licenciatura/Mestrado seguido de um Doutoramento. Em geral, este percurso contempla, ainda, alguns anos como Pós-Doc. Quando se atinge este patamar é usual o acesso a um posto estável e duradouro. A vida de estudo e trabalho de um investigador é muito aliciante e o segredo está na nossa motivação interior e no rigor com que enfrentamos a nossa profissão.
No entanto, qualquer que seja o percurso que tenhamos pela frente só há um modo de chegar ao fim: Trabalho, Competência e Conhecimento.


8. Enquanto alunos que somos, temos escolhas e decisões para fazer acerca do nosso futuro. Que opinião e conselhos nos pode dar quanto a seguir uma área das ciências ou enveredar pelo mesmo curso que escolheu?

Não há receitas mágicas… Se se tratasse de uma receita estávamos no campo da culinária… Eheheh… Sempre vos digo, com toda a honestidade e clareza, que devem escolher o que mais gostam de fazer. Devem escolher estudar as matérias que realmente vos vão ao jeito… A Matemática, a Física e a Química, na minha área científica são necessárias. No entanto, estas disciplinas não são nada de transcendente. Necessitam tanto de um ensino como de uma aprendizagem integradoras e com significado cognitivo. O mundo vivo actual é fruto de uma evolução, ou melhor, co-evolução, que tem pressupostos químicos, físicos, genéticos e bioquímicos. Logo, está em consonância com os princípios da termodinâmica, da física e da química… Lembrem-se que os seres vivos são sistemas abertos em equilíbrio com os ciclos de matéria e com o fluxo global de energia, que lutam incansavelmente contra a entropia do universo circundante.
Compreender os sistemas vivos e a sua evolução biológica e molecular é altamente aliciante. A compreensão do funcionamento dos sistemas vivos abre os horizontes no domínio da fisiologia que é um campo surpreendente repleto de emoções, à medida que se aprofundam os nossos conhecimentos. Depois, segue-se a compreensão das relações dos seres vivos uns com os outros e a revelação da maravilha das interacções celulares e moleculares entre eles.
O que mais vos posso dizer? Têm de possuir paixão pelo conhecimento! Têm que estar disponíveis para o conhecimento! Se quiserem enveredar pela minha área de especialidade, ou melhor, pelo meu curso, têm de estar disponíveis e motivados para aprender. Aprender não é decorar… Aprender é conhecer integramente o mundo vivo e o ambiente que o rodeia. Isto aplica-se a todas as áreas de investigação da Biologia e da Medicina.
Os meus melhores alunos começam a compreender isto a partir do início do segundo ano da faculdade… Espero que vocês entrem na universidade atentos a estes factos.


9. Sente-se realizado profissionalmente?

Sinto-me integralmente realizado pessoal e profissionalmente!
Aos meus dilectos alunos costumo dizer que adoro o que faço, que realizei o meu sonho desde a minha tenra idade. A frase que uso é a seguinte: “Tenho a profissão que sempre sonhei ter, faço o que realmente gosto, divirto-me imenso a trabalhar, viajo bastante e, ainda por cima, pagam-me um bom ordenado!”.
A minha profissão permitiu-me contactar com imensa gente de todo o mundo. Falo fluentemente Francês e Inglês e tenho amigos(as) em todos os cantos geográficos. Trabalhei em laboratórios com colegas de locais distantes e de culturas muito ricas. Aprendi que todos somos diferentes e, no entanto, iguais. Não existem diferenças entre os povos! Quando falo dos meus colegas franceses, ingleses, americanos, alemães, espanhóis, vietnamitas, chineses, indianos, paquistaneses, marroquinos, argelinos, egípcios, libaneses, canadianos, brasileiros, argentinos, equatorianos, belgas, japoneses, angolanos, moçambicanos, cabo-verdianos, neo-zelandeses… penso que referi todos… é com imensa saudade e carinho que os recordo!... É este conhecimento dos povos e das culturas que nos tornam muito ricos. A Ciência é o campo onde nos podemos encontrar e a linguagem científica que utilizamos é universal!
Os muros e os preconceitos da xenofobia e a intolerância caem por terra…

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